Catingueira, no Sertão paraibano, a 357 Km da Capital, é conhecida como a terra do repentista Inácio da Catingueira e também ganhou fama até fora do Estado, por ter possuído, anos atrás, a melhor banda cabaçal do Vale do Piancó. Agora, esta pequena cidade do Sertão Oeste, também se orgulha de ser o berço do mestre Gibó, atualmente incluído entre os 10 melhores artesãos da Paraíba, no que se refere a trabalhos em madeira.
Artesão desde criança, Gibó, cujo nome de batismo é Francisco Félix, 55 anos, inspirou-se nos equipamentos das empreiteiras de estradas, para materializar seu sonho de, um dia, possuir tratores, patrolas, motos-Skripe e enchedeiras, nem que fossem de brincadeira. Pensando assim, ele passou a ser a felicidade da criançada que adquire seus brinquedos e até de adultos como o empresário construtor de estradas Dão de Candú, ex-prefeito de Catingueira, que se transformou no maior colecionador das peças confeccionadas por Gibó.
Especialista, também, em serralheria, Gibó transforma em arte tudo que chegar à sua improvisada oficina, situada nos fundos da casa onde mora, em Catingueira, no centro da Rua do Cruzeiro. Quando o trabalho é em madeira, Gibó só usa imburana, uma madeira fácil de encontrar nas caatingas sertanejas, leve para cortar e tão macia, que facilita o acabamento das peças artesanais.
Gibó depende de seu olho mágico. Revistas, folders, cenários vivos, e a própria natureza fornecem os elementos em que se inspira, para criar as suas artes. Ao assistir um filme sobre piratas, Gibó esculpiu uma série de mini-canhões em madeira. Outra película, sobre gangsters, o inspirou a criar uma série de Rolls-Royce dos anos 20/30. Estas são inspirações ocasionais. O fraco mesmo de Gibó é copiar equipamentos e máquinas da construção de estradas, um ramo que ele bem conhece.
Há um mês Gibó deu um tempo na produção de artesanato e foi dar um giro pelo Maranhão. Lá, ele está trabalhando na construtora de estradas do empresário Dão de Candú, seu conterrâneo e, de quebra, divulgando seu artesanato. Nas cartas que mandou para a família explicou que sentia-se entediado. Por isso, vez ou outra, dá um pulinho no mercado de artesanato de São Luís, para ver algumas peças de artesãos locais e analisar a possibilidade de mercado para colocar as suas.
Além de canhões, baratinhas, peruas e caminhões, Gibó fabrica, com incrível perfeição, retroescavadeiras, motocicletas, guindastes, caçambas, caminhonetas e tratores de terraplenagem. Um de seus amigos, Ubiracy, lembra que Gibó já vendeu peças para um estrangeiro. Em seguida mostrou, no centro da Rua José Vitoriano de Alencar, em Catingueira, a imagem de São Sebastião, esculpida com cacos coloridos de cerâmica, que até hoje enfeita o cruzeiro situado diante da casa de Antônio Félix.
Colecionador vidrado no antigo, Gibó transformou sua oficina num museu informal. Ali, entre pedaços de umburana amontoados no canto da parede, misturam-se diversas peças de artesanato, ferros antigos de engomar, um ninho natural do passarinho conhecido como fura-pau, um ninho de João-de-Barro, três esmeris e muitos globos de vidros.
"Ele não joga nada fora. Um dia, depois de examinar tudo com muita atenção, ele salva algumas peças e as transforma numa obra de arte", informa Ubiracy, improvisado como porta-voz do amigo Gibó, que se encontrava ausente. Dotado de paciência chinesa, Gibó é capaz de passar três dias serrando e lixando uma só tábua, até encontrar o formato adequado da cabine de uma enchedeira.
Ou de passar oito dias desenhando e cortando pequenos pedaços de umburana, para fabricar as paixões de sua vida: enchedeiras, tratores caterpilar ou de esteiras. Se, no meio desse trabalho, surgir a vontade de comer, paciência, que o estômago pode esperar. Por que? Ora, quando está criando, Gibó não permite nem que lhe ofereçam água. "Atrapalha a concentração de uma forma geral. Eu mesmo, nessas horas, não me ligo em nada", costuma afirmar.
Por ser um artista conhecido, Gibó enfrenta alguns episódios, com boas saídas. Uma delas diz respeito à sua própria condição de artesão pouco afortunado. Certo dia Gibó estava num bar, comentando sobre um trabalho que havia feito para um presépio de uma cidade vizinha. Da mesa ao lado, um gaiato perguntou: "você esculpiu direitinho o jumento?" Sem pestanejar, o artista respondeu: "e até coloquei o relincho lá, no seu amigo".
Acostumado a ser chamado para consertar tudo, Gibó sabe que em Catingueira, na sua terra, quem não for polivalente, além de viver pouco não arruma nada nem para o café. É por isso que ele faz porteiras, abre bocas nos troncos de umburanas para confeccionar pilões de café e tempero, esculpe pequenas estátuas, dá talhes artísticos em móveis e portas e trabalha com cacos coloridos de cerâmicas, criando o desenho ou a paisagem que o cliente exigir.
Em Catingueira, ele é reconhecido como um gênio. Suas peças, quando participam de alguma exposição, impressionam ao primeiro olhar. O bom em tudo isso é que Gibó não usa nenhuma sofisticação para realçar suas criações. Tudo que ele faz é com a ajuda de Deus e de uma quicé amolada em esmeril manual. Quando muito, consente que um carro seja lixado e levemente envernizado. O artesão não sabe cobrar pelo seu trabalho. Está há 45 dias no Maranhão e não deixou, com ninguém da família, nenhuma lista de preços.
Ubiracy disse que ele é desprovido de ambição. Certa vez chegou um cidadão à casa de Gibó e levou diversas peças fiado. Gibó nem ligou. O homem veio pagar uma semana depois, porque era honesto mesmo. Mas, se dependesse de Gibó, ele não ia atrás. Ubiracy é quem guarda a chave do estúdio de Gibó, quando este se ausenta. Mas, quando alguém pergunta o preço de alguma coisa, ele fornece o telefone do amigo e diz: "é melhor acertar direto com ele".
Gibó, que já recebeu apoio do projeto A Paraíba em Suas Mãos, do Governo do Estado, é do tipo simples. Hábil pedreiro, chega a se virar no fogo, que nem tapioca, para arranjar uns trocados. Se a ocasião é para artesanato, tudo bem. Se não, ele sai à cata de outra coisa, para dar conta da família. Recentemente, enviou algumas peças para o exterior e espera que a resposta resulte numa encomenda de razoável valor.
18 de dezembro de 2007
Texto: Hilton Gouvêa
Jornal a União
Artesão desde criança, Gibó, cujo nome de batismo é Francisco Félix, 55 anos, inspirou-se nos equipamentos das empreiteiras de estradas, para materializar seu sonho de, um dia, possuir tratores, patrolas, motos-Skripe e enchedeiras, nem que fossem de brincadeira. Pensando assim, ele passou a ser a felicidade da criançada que adquire seus brinquedos e até de adultos como o empresário construtor de estradas Dão de Candú, ex-prefeito de Catingueira, que se transformou no maior colecionador das peças confeccionadas por Gibó.
Especialista, também, em serralheria, Gibó transforma em arte tudo que chegar à sua improvisada oficina, situada nos fundos da casa onde mora, em Catingueira, no centro da Rua do Cruzeiro. Quando o trabalho é em madeira, Gibó só usa imburana, uma madeira fácil de encontrar nas caatingas sertanejas, leve para cortar e tão macia, que facilita o acabamento das peças artesanais.
Gibó depende de seu olho mágico. Revistas, folders, cenários vivos, e a própria natureza fornecem os elementos em que se inspira, para criar as suas artes. Ao assistir um filme sobre piratas, Gibó esculpiu uma série de mini-canhões em madeira. Outra película, sobre gangsters, o inspirou a criar uma série de Rolls-Royce dos anos 20/30. Estas são inspirações ocasionais. O fraco mesmo de Gibó é copiar equipamentos e máquinas da construção de estradas, um ramo que ele bem conhece.
Há um mês Gibó deu um tempo na produção de artesanato e foi dar um giro pelo Maranhão. Lá, ele está trabalhando na construtora de estradas do empresário Dão de Candú, seu conterrâneo e, de quebra, divulgando seu artesanato. Nas cartas que mandou para a família explicou que sentia-se entediado. Por isso, vez ou outra, dá um pulinho no mercado de artesanato de São Luís, para ver algumas peças de artesãos locais e analisar a possibilidade de mercado para colocar as suas.
Além de canhões, baratinhas, peruas e caminhões, Gibó fabrica, com incrível perfeição, retroescavadeiras, motocicletas, guindastes, caçambas, caminhonetas e tratores de terraplenagem. Um de seus amigos, Ubiracy, lembra que Gibó já vendeu peças para um estrangeiro. Em seguida mostrou, no centro da Rua José Vitoriano de Alencar, em Catingueira, a imagem de São Sebastião, esculpida com cacos coloridos de cerâmica, que até hoje enfeita o cruzeiro situado diante da casa de Antônio Félix.
Colecionador vidrado no antigo, Gibó transformou sua oficina num museu informal. Ali, entre pedaços de umburana amontoados no canto da parede, misturam-se diversas peças de artesanato, ferros antigos de engomar, um ninho natural do passarinho conhecido como fura-pau, um ninho de João-de-Barro, três esmeris e muitos globos de vidros.
"Ele não joga nada fora. Um dia, depois de examinar tudo com muita atenção, ele salva algumas peças e as transforma numa obra de arte", informa Ubiracy, improvisado como porta-voz do amigo Gibó, que se encontrava ausente. Dotado de paciência chinesa, Gibó é capaz de passar três dias serrando e lixando uma só tábua, até encontrar o formato adequado da cabine de uma enchedeira.
Ou de passar oito dias desenhando e cortando pequenos pedaços de umburana, para fabricar as paixões de sua vida: enchedeiras, tratores caterpilar ou de esteiras. Se, no meio desse trabalho, surgir a vontade de comer, paciência, que o estômago pode esperar. Por que? Ora, quando está criando, Gibó não permite nem que lhe ofereçam água. "Atrapalha a concentração de uma forma geral. Eu mesmo, nessas horas, não me ligo em nada", costuma afirmar.
Por ser um artista conhecido, Gibó enfrenta alguns episódios, com boas saídas. Uma delas diz respeito à sua própria condição de artesão pouco afortunado. Certo dia Gibó estava num bar, comentando sobre um trabalho que havia feito para um presépio de uma cidade vizinha. Da mesa ao lado, um gaiato perguntou: "você esculpiu direitinho o jumento?" Sem pestanejar, o artista respondeu: "e até coloquei o relincho lá, no seu amigo".
Acostumado a ser chamado para consertar tudo, Gibó sabe que em Catingueira, na sua terra, quem não for polivalente, além de viver pouco não arruma nada nem para o café. É por isso que ele faz porteiras, abre bocas nos troncos de umburanas para confeccionar pilões de café e tempero, esculpe pequenas estátuas, dá talhes artísticos em móveis e portas e trabalha com cacos coloridos de cerâmicas, criando o desenho ou a paisagem que o cliente exigir.
Em Catingueira, ele é reconhecido como um gênio. Suas peças, quando participam de alguma exposição, impressionam ao primeiro olhar. O bom em tudo isso é que Gibó não usa nenhuma sofisticação para realçar suas criações. Tudo que ele faz é com a ajuda de Deus e de uma quicé amolada em esmeril manual. Quando muito, consente que um carro seja lixado e levemente envernizado. O artesão não sabe cobrar pelo seu trabalho. Está há 45 dias no Maranhão e não deixou, com ninguém da família, nenhuma lista de preços.
Ubiracy disse que ele é desprovido de ambição. Certa vez chegou um cidadão à casa de Gibó e levou diversas peças fiado. Gibó nem ligou. O homem veio pagar uma semana depois, porque era honesto mesmo. Mas, se dependesse de Gibó, ele não ia atrás. Ubiracy é quem guarda a chave do estúdio de Gibó, quando este se ausenta. Mas, quando alguém pergunta o preço de alguma coisa, ele fornece o telefone do amigo e diz: "é melhor acertar direto com ele".
Gibó, que já recebeu apoio do projeto A Paraíba em Suas Mãos, do Governo do Estado, é do tipo simples. Hábil pedreiro, chega a se virar no fogo, que nem tapioca, para arranjar uns trocados. Se a ocasião é para artesanato, tudo bem. Se não, ele sai à cata de outra coisa, para dar conta da família. Recentemente, enviou algumas peças para o exterior e espera que a resposta resulte numa encomenda de razoável valor.
18 de dezembro de 2007
Texto: Hilton Gouvêa
Jornal a União
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