quinta-feira, 22 de abril de 2010

Literatura de Cordel " Acervo de Vicente Campos Filho"



Xilogravura de Marcelo Soares
As histórias de Antônio Tranca Rua
Autor: Vicente Campos Filho

Adentrando mundo afora
Se vê lugares bacanas
Se escuta os causos das
Cidades interioranas
Histórias que às vezes surgem
Num bar, depois de umas canas. 

São histórias de figuras
Pitorescas dos lugares
Histórias que sempre ecoam
Principalmente nos bares
Quando são muito engraçadas
Espalham-se pelos lares.

Das histórias que se conta
Lá na querida terrinha
Em Patos das Espinharas
E não é mentira minha
As de Antônio Tranca-Rua
São as mais engraçadinhas.

Seu Antônio, homem alto
Moreno e bem apanhado
Andava sempre de branco
Elegante e arrumado
Pra tudo tinha uma resposta
Um discurso preparado.

Conta-se que certo dia
Tava Antônio Tranca-Rua
Com o dedão no nariz
Fazendo a limpeza sua
Uma moça ia passando
Fez pergunta nua e crua:

“Seu Antônio, vai ter festa?!
Está limpando o salão?!”
Tranca-Rua disse: “Vai...
Mas puta não entra não!”
E a moça: “Vou dizer
A meu pai e ao meu irmão”.

Tranca-Rua sempre foi
De ter cabelo na venta
Sempre reponde a altura
Quando alguém lhe apoquenta
Disse assim: “Pois diga a eles
Que corno também não entra”.

E um dia seu Antônio
Foi um relógio vender
Quando na feira da troca
Começou a oferecer
Chegou um interessado
E de cara quis saber. 

O rapaz foi perguntando
Como quem sabe o macete:
“Pode se banhar com ele?
E molhar o bracelete?”
E seu Antônio: “É um relógio
Isso não é sabonete”. 

Outra vez o seu Antônio
Tava de chapéu e tudo
Quando começou coçar
O seu coro cabeludo
Uma velhinha vendo aquilo
Disse assim: “Que absurdo! 

...seu Antônio, o senhor tá
Ficando meio pinel
Está coçando a cabeça
Sem nem tirar o chapéu!”
E a resposta veio rápida
Feito um raio lá do céu. 

Tranca-Rua disse: “Não!
Não tô de mente aluada
Mas eu pergunto à senhora
Que está desconfiada
A senhora tira a roupa
Pra coçar a condenada?!”

Outra vez o seu Antônio
Tava assim despreocupado
Só comendo um pão francês
Na calçada bem sentado
Esse fato aconteceu
Foi lá na Rua do Prado. 

Ia passando um amigo
Como quem vinha da lua
E disse: “Mas seu Antônio
Que deselegância a sua
Quem já viu um homem grande
Comer pão no meio da rua?!”

Tranca-Rua, como sempre
Respondeu de sopetão
Com o ar meio zangado
Foi dizendo: “Essa não!
Vou ter que alugar uma casa
Só para comer um pão?!”

Mas Antônio Tranca-Rua
Era um homem esquisito
Adorava um velório
Achava aquilo bonito
Resava a noite inteira
E pensava: “Esse tá frito”. 

Conta-se que certa vez
No velório de uma senhora
Seu Antônio quando soube
Da morte, foi sem demora
Mas quando chegou lá
Só ouvia a toda hora: 

“Olha só a pobrezinha
Morreu como um passarinho”,
Comentou uma amiga
Falando com seu vizinho
Seu Antônio só ouvindo
O cochichado baixinho. 

“Morreu como um passarinho”,
Comentou outro rapaz
Quando lá pra meia noite
Chegou o dr. Tomaz:
“Morreu como um passarinho”,
Foi dizendo a um capataz.

Tava tudo mais tranqüilo
Quando já de madrugada
Chegou um bebum da rua
Com a cara ressacada
Perguntou: “Morreu de quê?!
Essa mulher tão amada”. 

Tranca-Rua não deixou
De dizer uma brincadeira
E com a cara mais cínica
Respondeu dessa maneira:
“Ou foi tiro de espingarda
Ou pedra de balieira”. 

Seu Antônio um dia foi
No bar de dona Maria
Lá pediu uma cachaça
E um tira-gosto de jia
Quando mais que de repente
Ali faltou energia. 

Quando ficou no escuro
Dona Maria falou:
“Seu Antônio me desculpe
Mas a luz se apagou”
Tranca-Rua foi esperto
Na hora mesmo emendou:

“Olhe aqui Dona Maria
Essa história tem até graça
Pode faltar energia
Seja aqui ou lá na praça
Eu não vim pra tomar choque
Eu vim foi tomar cachaça”.

Outra vez o Seu Antônio
Tava assim mal humorado
Foi tomar um cafezinho
Num bar na Rua do Prado
Depois de tomar o café
Olhou assim para o lado.

E perguntou para a dona
Quanto era o cafezinho
Foi quando ela disse: “Nada!
É de graça o pretinho”
Ele disse: “Ainda é caro
Tá frio, fraco e ruinzinho”.

Outra vez o seu antônio
Foi beber lá em Tavares
E saiu com uns amigos
Procurando pelos bares
Um lugar muito tranqüilo
Bem longe dos maus olhares.

Chegando numa bodega
Pediram uma cerveja
O bodegueiro serviu
As duas numa bandeja
Soltou um peido bem grande
E depois disse: “Ora veja!...

...Eu soltando um peido desse
Só digo que é porque
Daqui pra o cair da noite
Com certeza vai chover”
Seu Atônio disse: “Pronto!
Eu não quero mais beber...

...Vamos embora daqui
porque agente não é louco
Eu vou pagar essa conta
E não quero nem o troco
Em terra que cu é profeta
Eu demoro muito pouco.

Tudo o que eu falei aqui
É a mais pura verdade
Se quiser tirar a dúvida
Vá um dia na cidade
Pergunte por Tranca-Rua
E fique bem à vontade.


Antônio Tranca Rua viveu seus últimos dias na cidade de Catingueira, amparado pelo então prefeito Dão de Candu e morreu em 22 de julho de 2002 aos 86 anos de idade. Seu sepultamento aconteceu na terra do Poeta

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